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Depoimentos

Momento marcado por medo e constrangimento

 

Em 2013, aos 19 anos, Priscila Muniz dava à luz sua primeira filha. A pouca idade era sinônimo de pouca experiência e informação. O momento, que era para ser símbolo de amor, transformou-se em um misto de medo e constrangimento para a jovem. Quando a bolsa estourou, o sofrimento veio logo em seguida. “O exame de toque é um procedimento bastante doloroso. Sem instrução, fica pior ainda. Como era minha primeira gestação, eu não sabia como era realizado. Sempre que o médico entrava na sala era uma tortura”, relata.

 

Durante o procedimento do parto normal, o desrespeito do médico obstetra também deixou marcas. “Durante o procedimento, o médico pediu para alguns aprendizes entrarem na sala. Com certeza, isso me deixou bastante constrangida. Se ele tivesse pedido a minha autorização, não teria aceitado”, frisa.

 

Alguns comentários insensíveis tornaram o momento do parto ainda mais traumatizante. “Existiram comentários maldosos de enfermeiras, que não tinham paciência alguma. Elas me deixaram na sala de parto sozinha com o meu acompanhante, não apareceu uma enfermeira para ajudar ou pra dar uma orientação de como eu poderia ficar mais confortável. Só na hora que realmente o meu bebê estava nascendo, foi que a minha acompanhante foi chamar o médico”, conta.

 

O pós-parto da jovem também trouxe momentos ruins. “Tive hemorragia e precisei tomar três bolsas de sangue, mas o hospital não tinha, então passei cinco dias esperando. Durante a espera, eu passava muito mal, sofria com desmaios e enjoo.”

 

Segunda gestação

Em 2017, aos 23 anos, Priscila ficou grávida do seu segundo filho. Embora o parto tenha sido tranquilo, o pré-natal foi cercado por situações constrangedoras resultantes do assédio do obstetra. “Em meus pré-natais, aconteceu algo que mexeu muito comigo. Achei estranho o comportamento do meu médico e isso me incomodou muito. Algumas perguntas sem necessidade e exames também”, conta a vítima.

 

Embora tenha recebidos conselhos para denunciar o profissional, Priscila preferiu mudar de médico. “No dia em que isso aconteceu, fiquei me perguntando onde tinha errado pra ele fazer o que fez. Achei que poderia ter feito algo, ter reagido, mas, na hora, travei. Não imaginava que poderia passar por algo assim, ainda mais grávida. Algumas pessoas me orientaram a fazer a denúncia, mas fiquei com medo”, relata.

Atendimento gratuito, mas cheio de incertezas

 

Joana de Sousa* trabalhava em uma empresa de planos de saúde na Região Metropolitana de Fortaleza. Na época, todos os funcionários tinham cobertura total do plano de saúde e, por haver muitas mulheres no quadro de empregados, foi retirado o direito ao parto da cobertura, tornando o procedimento bem mais caro.  É importante ressaltar que negar o atendimento obstétrico gratuito já é, por si só, uma violenta violação dos direitos das funcionárias.“Os maiores custos estavam sendo com partos. O procedimento normal é sempre o mais indicado, mas a cesárea custa mais caro [e os médicos acabam optando por uma remuneração maior]". Eles [médicos] faziam de tudo para que a paciente não tivesse parto normal, e sim cesariano. Os planos de saúde começaram a ver nisso um nicho de negócio.”

 

Ao engravidar, Joana acabou passando por problemas relacionados à busca de um local adequado e gratuito para realizar o parto. A gestação foi turbulenta, dividida por dificuldades pessoais, contudo, com ajuda de alguns amigos, conseguiu realizar todo o pré-natal e demais processos com um médico que se prontificou em atendê-la gratuitamente e utilizar os serviços hospitalares pelo SUS .

 

Quando o grande dia chegou durante a Copa do Mundo de 1998 e as coisas não foram como ela esperava. Durante a preparação na enfermaria, Joana relata uma situação que presenciou e marcou sua memória. Um dos médicos da emergência obstétrica do hospital deu uma "injeção de força" (indutor do parto) em outra parturiente, ainda adolescente, para que a mesma conseguisse ter um parto normal. Aos gritos, a menina dizia que não aguentava tamanha dor. O médico, então, a deixou com as dores e foi assistir ao primeiro tempo do jogo do Brasil. Ele só retornou após o fim do primeiro tempo, durante o intervalo e fez a cirurgia cesárea. Não se sabe ao certo o nível de sofrimento da adolescente, mas a impressão de Joana era que o médico aplicou o indutor acelerar o parto e assistir ao jogo mais tranquilamente.

 

A anestesia

 

Joana, já abalada com o caso de sua colega de enfermaria, teve que enfrentar os seus próprios problemas. No caso, o anestesista. Por se submeter a cirurgia em um hospital da rede pública e pelo SUS, ela estava certa de que tudo aconteceria de forma gratuita, sem nenhuma surpresa. Só que não foi bem assim. Na enfermaria, enquanto aguardava entrar no centro cirúrgico, Joana foi procurada pelo anestesista. “Ele me abordou de uma forma meio rude, perguntando quanto eu estava pagando ao meu obstetra[pro bono], por ele estar indo fazer meu parto em hospital público e queria que eu pagasse a parte dele”. Lembrando que o médico responsável pelo parto se disponibilizou a fazer todos os procedimentos gratuitamente, inclusive a se deslocar até o hospital público para realizar a cesariana.

 

Por ter convivência com procedimentos médicos, já que trabalhava com isso e conhecia algumas atitudes dos profissionais, Joana entendia como funcionavam os pagamentos 'por fora'. “Na época, o SUS estava bem fragilizado com as questões de parto, então os hospitais estavam superlotados e nós sabíamos o quão valorizado era esse procedimento”.

 

Ainda assim, ficou em choque. A abordagem dele a deixou tão tensa que seguiu para a sala de cirurgia temerosa com o que o profissional poderia lhe causar após a negativa do pagamento. “Ele duvidou da minha palavra quando eu disse que não estava pagando nada, que era pelo SUS. Ele não acreditou”. Ao entrar, o anestesista agiu de forma ríspida, grosseira, aplicando a anestesia com violência na paciente. Joana conta que sentiu um choque e que começou a vomitar até desmaiar. Ainda ouviu os gritos do anestesista dizendo “não se mexa!”.

 

“Tinha quase certeza que tinha acontecido alguma coisa de errado, me veio à mente que ficaria paraplégica, pois não era normal ter sentido aquele choque e ter vomitado de imediato. Parecia que ele estava tratando um animal, não um ser humano, não uma mãe. Como se o dinheiro fosse mais importante do que a vida de uma criança”, relata.

 

Apesar disso, Joana preferiu não denunciar. Ela pensava na época que comportamentos como esse não poderiam ser corrigidos. Agora, acredita na importância de serem evitados.

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Por Arícia Fontinele, Isabelle Narciso e Joyce Oliveira.

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